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24.7.17



CAPÍTULO I
NEGRO DRAMA
UM PANORAMA DO RACISMO NO BRASIL
R7 entrevistou 27 pessoas, entre personalidades e especialistas, e se debruçou em 22 fontes de pesquisa para discutir a situação da população negra no País.
Foto: Juca Guimarães
  
24/07/2017
São Paulo - Brasil
REPORTAGEM
Giorgia Cavicchioli, Juca Guimarães
e Peu Araújo
ARTE
Danilo Lataro
Com base na Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, adotada pelas Organizações das Nações Unidas em Assembleia Geral em 1948, o R7 reconheceu situações críticas em relação à população negra no Brasil em nove diferentes cenários: número de mortes, violência, educação, mercado de trabalho, saúde, habitação, família, violência contra a mulher e falta de representatividade.
O capítulo de abertura, o primeiro de cinco desta reportagem especial, apresenta números e opiniões sobre o número de mortes e a violência contra os negros no Brasil.
A pedido do R7, o Instituto Paraná Pesquisas realizou um levantamento exclusivo sobre racismo no Brasil. O relatório, realizado no final do mês de maio de 2017, fez duas perguntas para a população. Uma delas era se algum dia aquela pessoa foi racista. 93,7% afirmou que não, 5,9% disse que sim e 0,5% não respondeu.
A segunda pergunta feita foi se a pessoa tinha presenciado algum ato ou cena racista. Para essa questão, 50,3% afirmou que sim. 49,2% dos entrevistados disse que não e 0,5% não respondeu. A pesquisa ouviu 2.022 eleitores com 16 anos ou mais. O levantamento foi feito em todo o Brasil e tem 95% de confiança. A margem de erro estimada é de 2%.
R7 recorreu ao título da música do Racionais MC’s para dar nome a essa reportagem especial. Assista a uma interpretação exclusiva de Tawane Theodoro, poeta e uma das participantes de poetry slam’s (campeonato de poesia).
Olha quem morre
Mapa da violência por armas de fogo no Brasil
No Brasil, 29.813 pessoas negras foram vítimas de homicídio por arma de fogo em 2016, segundo o Mapa da Violência elaborado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais). O número de brancos alvos do mesmo tipo de crime no mesmo ano é um terço menor: 9.766.
Em dez anos, a taxa de homicídios na população negra brasileira ficou 30,4 pontos percentuais acima da taxa na população branca. O mais grave é que neste período, entre 2005 e 2015, quando se considera a cor da pele como critério, a taxa de homicídios dos negros aumentou 18,2% enquanto a da população branca caiu 12,2%.
Das 27 unidades federativas do Brasil, 19 estados tiveram alta nesta estatística. Em 15 deles, o aumento foi superior a 50%, na comparação entre 2005 e 2015. A taxa de homicídios de negros cresceu 331,8% no Rio Grande do Norte, 149,7% no Ceará, 124,5% no Amazonas e 123,5% no Maranhão, em uma década.
“Em 2014, para cada não-negro que sofreu homicídio, 3 indivíduos negros foram mortos”
Fonte: Atlas da Violência
Os dados estão no Atlas da Violência, compilado pelo Ipea com informações do IBGE e do SIM (Sistema de Informações Sobre Mortalidade), divulgados em junho deste ano. Entre as 27 unidades federativas do País, houve alta no percentual de mortes de brancos em 16 estados, entre 2005 e 2015. Porém, essa alta superou a marca de 50% em oito deles. Os estados com a maior alta na taxa de homicídios de brancos são: Tocantins (129,7%), Roraima (114,4%), Maranhão (114,3%) e Bahia (106,2%).
No Brasil, o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em relação a brasileiros brancos, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência.
O panorama é visto com preocupação pela ONU (Organização das Nações Unidas). “Pensando nos assassinatos, uma pessoa jovem e afrodescendente morre a cada 24 minutos. Então, obviamente, estamos preocupados”, afirma o diretor do Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil Maurizio Giuliano.
Muitos movimentos sociais brasileiros defendem a tese de que existe em curso um genocídio da população negra, com o objetivo de exterminar toda a população de pele escura. A afirmação é defendida pela deputada estadual Leci Brandão. Em entrevista ao R7, ela afirmou que o genocídio “é real”. A ex-consulesa da França Alexandra Loras também concorda que existe um processo de extermínio sistemático no Brasil.
“Aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147% a mais de chances de ser vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos, amarelos e indígenas”
Fonte: Ipea
— 56 mil pessoas que são mortas a cada ano, tem mesmo um genocídio acontecendo. Só que o marketing brasileiro é de falar só de carnaval, de samba, de alegria, de praias... quando, na verdade, tem uma guerra silenciosa acontecendo, um embranquecimento planejado.
Mas a ONU não reconhece o genocídio da população negra. Giuliano explica. “A ONU não reconhece que aqui no Brasil exista um genocídio contra a população negra. O que nós reconhecemos é que há problemas sérios com respeito a população afrodescendente”. O diretor afirma que “tem que haver uma intenção de eliminar. Isso pode ser através de matar, ou através de outras coisas. Mas com a intenção de destruir. Não são situações como são a do Brasil.”
Homicídios por arma de fogo no Brasil
BRANCOS 23,1%
NEGROS 70,5%
Fonte: Mapa da Violência 201
Pra quem vive na guerra a paz nunca existiu O negro é o vilão da sociedade brasileira 
Por hora, em média, morrem três jovens negros no País. Em entrevista ao R7, André Luiz dos Santos, representante do Fórum de Hip Hop de São Paulo, comentou o assassinato de pretos e pardos e afirmou que “o Brasil não se incomoda com as mortes, porque as pessoas negras estão estereotipadas como bandido, como inimigo da sociedade”.
— O inimigo da sociedade é o adolescente, de 13 anos, preto, morador da periferia. Aí as pessoas não se incomodam com ele. Ele é um monstro social.
Este ano, foi mostrado que a população negra brasileira ainda tem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) menor que a população branca e só em 2010 os negros alcançaram um patamar que os brancos já tinham desde 2000. As constatações foram obtidas pelos pesquisadores do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no Brasil.

R7: Por que você acha que há resistência ao termo genocídio da população negra no Brasil?       André Luiz dos Santos: Porque atinge uma determinada população. Você vai ver, pelos números, que é preto, pobre e periférico. E só vem evoluindo o número desses assassinatos, nunca diminui. Em 2014, para mascarar isso, o Estado de São Paulo, parou de falar das chacinas. Os policiais mataram muito mais do que as pessoas do crime. O Brasil não se incomoda com as mortes porque as pessoas negras estão estereotipadas como bandido, como inimigo da sociedade. O inimigo da sociedade é o adolescente, de 13 anos, preto, morador da periferia. Aí as pessoas não se incomodam com ele. Ele é um monstro social.

R7: A desmilitarização poderia reduzir o número de mortes?     André Luiz dos Santos: Só desmilitarizar a polícia militar não resolve. O problema é a política de segurança pública implantado pelo Geraldo Alckmin no Estado de São Paulo já há um bom tempo. E essa segurança maquia o principal que é o dinheiro. As pessoas que estão presas, por ano, dão um lucro de 5 bilhões. Alguém fica com esse dinheiro. O Brasil não discute racismo. Se falar de racismo, as pessoas não vão às ruas. Mas para falar de qualquer outra besteira as pessoas vão às ruas.
R7: O encarceramento em massa também deve ser discutido nesse quesito. Penas alternativas ajudariam?André Luiz dos Santos: Essas pessoas são presas pela questão do tráfico. As pessoas estão presas sem serem condenadas. Só que isso faz um caos na periferia.

R7: Como a maioridade penal pode influenciar neste panorama? André Luiz dos Santos: O ECA nunca foi cumprido. O número de adolescentes que cometeu um assassinato é de zero vírgula zero alguma coisa. Os dados são todos falsos. O medo é uma forma política de controlar. Eles pegam um cara do MP e coloca dentro da secretaria de governo. E com esse negócio é a vida do pobre que está em risco.
R7: Qual é o trabalho de resistência que você faz? André Luiz dos Santos: Conseguimos fazer debates, manifestações... a gente conseguiu trazer uma discussão sobre o genocídio muito grande. Só que a gente não quer ficar falando de números. A gente quer que pare as mortes.


link: http://www.r7.com/r7/media/2017/2017-negrodrama/index01.php